Ana Carolina transforma ‘25’ anos em memórias de show que reforça paixões e padrões da artista em estreia tensa
14/07/2025
(Foto: Reprodução) Prejudicada por problemas técnicos, a primeira apresentação da turnê ‘25 Anas’ mostra que trunfo do show é o roteiro autoral construído sem obviedade. Ana Carolina na estreia nacional do retrospectivo show ‘25 Anas’ na casa Qualistage, no Rio de Janeiro (RJ), na noite de sábado, 12 de julho
♫ OPINIÃO SOBRE SHOW
Título: 25 Anas
Artista: Ana Carolina
Data e local: 12 de julho de 2025 no Qualistage (Rio de Janeiro, RJ)
Cotação: ★ ★ ★ 1/2
♬ A despeito de estar calcado em efeméride já ultrapassada por ter sido idealizado por Ana Carolina para festejar 25 anos de carreira fonográfica iniciada pela artista mineira em 1999, há 26 anos portanto, o show 25 Anas apaga a má impressão deixada pelo último espetáculo com repertório autoral da cantora, Fogueira em alto mar (2019), feito sem a velha chama e com Ana em piloto automático.
Mesmo sem as labaredas do início da carreira, essa chama voltou a ficar acesa na posterior investida da artista pelo repertório de Cássia Eller (1962 2001) no show Ana canta Cássia – Estranho seria se eu não me apaixonasse por você (2022), dirigido pelo mesmo Jorge Farjalla que ora conduz a cantora em 25 Anas.
A julgar pela estreia nacional da turnê no Rio de Janeiro (RJ), na apresentação que lotou a casa Qualistage na noite de sábado, 12 de julho, o show 25 Anas chegou à cena para reiterar os padrões, as paixões e a força da personalidade da artista, a começar pelo figurino preto.
A divisão do show em cinco atos – A história, A paixão, A memória, O reencontro e A celebração – resultou difusa, mas a apresentação se sustentou pelo roteiro surpreendente (sem sair da discografia da artista), costurado por trechos em off de gravações de músicas como O tempo se transforma em memória (Ana Carolina e Antonio Villeroy, 2019), 2 bicudos (Antonio Villeroy, 2003) e Dadivosa (Ana Carolina, Adriana Calcanhotto e Neusa Pinheiro, 2001).
Além de apresentar oito músicas inéditas do álbum Ainda já (algumas ausentes do EP que adiantou cinco faixas do álbum em 10 de julho), Ana Carolina fez inusitada seleção de composições gravadas ao longo dos 26 anos. Apareceram músicas quase nunca cantadas pela artista em shows, casos de Me sento na rua (Ana Carolina e Vanessa da Mata, 2001) e Mais que isso (Ana Carolina e Chico César, 2003).
O roteiro valorizou o show, cercado de irritações e tensões na estreia carioca por conta de problemas técnicos (a cantora chegou a interromper alguns números por não estar se ouvindo direito).
Talvez já ciente de que Ana Carolina é intérprete que soa “dura” no palco, sem ter vocação para jogos de cena, o diretor Jorge Farjalla substituiu a teatralidade – exuberante no corrente show Todas elas (2025), arquitetado pelo diretor para Vanessa da Mata – pela projeção em telas de led de imagens que evocam os 26 anos da cantora.
E foi sintomático que a primeira música cantada por Ana, após emergir em cena através de elevador cenográfico, tenha sido Armazém (Ana Carolina, 1999). Afinal, no show 25 Anas, o que a cantora vende basicamente são os mesmos produtos de sempre: baladas inflamadas, alguns sambas, duelos de pandeiro – a propósito, ficou estranho o show acabar de repente com um número instrumental calcado no toque do instrumento por Ana e pelos músicos da banda – e temais mais dançantes, como Pole dance (Ana Carolina e Edu Krieger, 2013), além de textos lidos pela cantora no celular.
O texto sobre a equação sucesso + eterna insatisfação da artista com a obra soou espirituoso. Já o texto sobre o movimento dos músicos para o pavimento de cima do cenário ficou bobo.
Geralmente com o violão, Ana Carolina ofereceu o que se esperava dela – músicas aliciantes como Garganta (Antonio Villeroy, 1999) e apelativas como Rosas (Antonio Villeroy, 2006), além da intensidade do canto de composições como Hoje eu tô sozinha (Ana Carolina, 2003), número em que a artista foi ovacionada pelo ardoroso público – e também o que não se esperava, como O rio (Ana Carolina, 2001), a balada Dentro (Ana Carolina e Dudu Falcão, 2009) e outras músicas menos presentes nos roteiros dos shows da cantora.
Única música do roteiro não lançada na voz da artista, Tanta saudade (1983) – parceria de Chico Buarque com Djavan já cantada pela artista com Seu Jorge em show perpetuado há 20 anos no álbum e DVD Ana & Jorge (2005) – evidenciou o toque virtuoso do baixista da banda não apresentada pela cantora ao fim da estreia nacional do show.
Das músicas inéditas, merece menção honrosa a canção Mãe (Ana Carolina, 2005), escrita pela compositora em memória da mãe, Aparecida Souza, falecida em 2023 aos 86 anos. Singela, a canção exprime sentimento verdadeiro que contrasta com a emoção plastificada de algumas outras novidades do vindouro álbum Ainda já, como Crime perfeito (2025), música de vibe roqueira que abre a parceria de Ana com os compositores hitmakers Umberto Tavares e Jefferson Júnior, também coautores de Ex (2005).
A canção-título Ainda já (Ana Carolina, 2025), de tom reflexivo, deixou boa impressão à primeira audição. Outras baladas ainda inéditas, como Canção de trás pra frente (Ana Carolina, 2005) e Tua confusão (Ana Carolina, 2005), também foram ouvidas em primeira mão na estreia nacional do show 25 Anas.
Já o refrão da recente (mas já conhecida) Quem dera eu Seu Zé, música que amplia a parceria da artista com o compositor Bruno Caliman, surtiu bom efeito na plateia. Ana Carolina conhece bem o público que lhe tem sido fiel nesses 26 anos de sucesso. Músicas como a ainda inédita Lésbica monossilábica (2025) – de versos como “Ela me faz de gato e sapata” – pareceram talhadas para o público já habituado à potência máxima do canto dessa artista que arde na fogueiras das paixões.
No bis, aberto com trecho em off da gravação de Notícias populares (Ana Carolina, 2005), o fogo foi alto com o canto da balada Encostar na tua (Ana Carolina, 2003) e o final previsível com Elevador (Livro do esquecimento) (Ana Carolina, 2003), duas músicas do terceiro álbum da cantora, Estampado (2003), este ainda o último grande título da discografia pavimentada pela artista em 26 anos transformados em 25 anos nas memórias alinhadas em show valorizado pelo roteiro feito fora do trilho autoral mais óbvio.