EUA apoiam mineração em águas profundas sem regras da ONU e acendem alerta ambiental
12/07/2025
(Foto: Reprodução) Empresa com histórico controverso tenta explorar metais no Pacífico, apesar de alertas ambientais, brechas jurídicas e pressão internacional por moratória. A maioria dos contratos para exploração de minerais em águas profundas são destinados à Zona Clarion-Clipperton, no Oceano Pacífico norte
THE METALS COMPANY
Com o apoio do governo dos EUA, empresa canadense pretende extrair metais para a fabricação de baterias em águas internacionais, à revelia de regras da ONU. Especialistas alertam para os riscos ao meio ambiente. Enquanto começam as negociações oficiais na Jamaica sobre as regras necessárias para preservar o fundo dos oceanos para as próximas gerações, a primeira operação comercial de mineração em águas profundas do mundo em águas internacionais pode estar prestes a começar.
A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA (NOAA) ainda não anunciou formalmente se analisará um pedido controverso para a extração de metais do fundo do mar.
Mas se, como esperado, a agência classificar o pedido como "pronto para análise", terá seis meses para decidir se a startup canadense The Metals Company (TMC) poderá dar início à mineração em águas profundas.
A TMC entrou com um pedido depois que o presidente dos EUA, Donald Trump, assinou uma ordem executiva em abril para acelerar as reivindicações privadas de exploração do fundo dos oceanos em busca de minerais preciosos, embora ainda não existam regras globais para esta atividade.
De acordo com a legislação da ONU, as águas internacionais são consideradas "patrimônio comum da humanidade" por 169 países e pela União Europeia (UE). Ao contrário dos EUA, todos esses países são membros da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), criada para proteger os ecossistemas das profundezas do oceano. A entidade não permite a mineração em águas profundas, embora tenha emitido algumas licenças de exploração.
O fundo do mar contém ricos depósitos de minerais como cobre, cobalto e níquel e outros considerados importantes para baterias de veículos elétricos e para a transição para a energia verde, o que torna as águas profundas muito atraentes para empresas de mineração como a TMC.
A empresa e o governo Trump consideram qualquer atividade de mineração com base no decreto presidencial de abril como uma questão de segurança nacional e uma forma de competir com a China, que domina o mercado de elementos de terras raras.
Entretanto, cientistas, especialistas jurídicos e analistas da indústria alertam que os riscos para o clima, o direito internacional e o próprio oceano podem superar os benefícios.
CEO com histórico fraudulento
Esta não é a primeira vez que Gerrard Barron, CEO da TMC, faz uma aposta ousada na mineração oceânica. Há uma década, ele foi um dos primeiros investidores de uma empresa canadense chamada Nautilus Minerals, que se comprometeu a extrair metais, incluindo cobre e ouro, do fundo do mar da Papua-Nova Guiné, uma nação insular do Pacífico.
Pouco mais de uma década após abrir o capital na Bolsa de Valores de Toronto em 2007 e captar centenas de milhões de investidores, a Nautilus faliu sem nunca ter explorado comercialmente o mar. Barron desistiu cedo e, segundo relatos, saiu com aproximadamente 30 milhões de dólares (R$ 167 milhões).
Papua-Nova Guiné, que tem recursos limitados para investir em infraestrutura, educação ou saúde, ficou com equipamentos enferrujados e mais de 120 milhões de dólares em prejuízos públicos.
A TMC iniciou sua fase atual como DeepGreen, fundada em 2011 pelo ex-CEO da Nautilus Minerals, David Heydon. Posteriormente, Gerrard Barron assumiu e se tornou CEO e, antes da abertura de capital da empresa, em 2021, ele a rebatizou como The Metals Company.
Desta vez, a ideia é realizar mineração em alto mar, em águas internacionais. Para isso, a TMC adquiriu subsidiárias nas pequenas nações insulares de Nauru, Tonga e Kiribati, no Pacífico. Atuando como patrocinadoras estatais, elas solicitaram junto à ISA autorização para contratos de exploração na Zona Clarion Clipperton – um leito marinho internacional rico em nódulos polimetálicos. Embora a mineração em águas profundas não tivesse sido chancelada, a ISA chegou a considerar uma flexibilização das regras.
"Eleição de Trump foi ótima notícia para nós"
No final de 2023, a TMC enfrentou um dilema. A ISA não havia estabelecido regras para a mineração comercial, e uma lista crescente de governos europeus, incluindo Alemanha, Espanha e Suécia, bem como vários Estados insulares do Pacífico, havia declarado moratórias nacionais ou "pausas preventivas" sobre a prática. Isso fez com que o valor das ações da TMC despencasse, e o índice Nasdaq ameaçou fechar o capital.
Assim, a TMC decidiu mudar de tática, de acordo com informações compiladas pela unidade de investigação da ramificação da ONG Greenpeace na Alemanha e pela organização sem fins lucrativos Coletivo de Dados Anticorrupção, sediada nos EUA.
Dados vistos e analisados pela DW mostram que a TMC mudou sua estratégia de lobby dos comitês de política oceânica, onde a resistência ambiental era mais forte, para as autoridades de defesa e segurança nacional dos EUA, sob o argumento de que os minerais do fundo do mar não eram apenas um recurso de tecnologia verde, mas uma arma de segurança nacional contra a China.
Em uma entrevista anterior à DW, Barron disse que "a eleição de Trump foi uma ótima notícia para nós". De fato, poucas semanas após o presidente dos EUA assinar seu decreto sobre mineração em águas profundas, as ações da TMC dispararam. Elas passaram de 0,81 dólares no final de 2023 para 6,81 em junho deste ano.
Qual a importância desses metais?
A TMC também sustenta que seus planos de mineração seriam essenciais para a transição para a energia limpa. Entre outros metais, os nódulos que a empresa espera recuperar do fundo do mar contêm cobalto e níquel, que antes dominavam as baterias de veículos elétricos, e cobre, que alimenta quase todos os sistemas elétricos. Contudo, as previsões de demanda estão evoluindo.
"A composição química das baterias mudou drasticamente", disse Tony Dutzik, analista sênior do grupo de estudos de política ambiental Frontier Group, sediado nos EUA.
As baterias LFP, que não usam cobalto ou níquel, agora representam mais de 50% das baterias globais de veículos elétricos, de acordo com números recentes da AIE. "Isso reduz a urgência", disse Dutzik.
De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), a demanda por cobalto e níquel agora deve dobrar em cenários de emissões zero até 2040, uma perspectiva mais modesta do que as expectativas anteriores de um crescimento ainda mais acentuado.
Ao mesmo tempo, a AIE estima que mais da metade da demanda por cobalto e 12% do níquel poderiam ser atendidos por meio da reciclagem. "De acordo com as próprias estimativas da ISA, o cobre proveniente da mineração em águas profundas atenderia apenas cerca de 1% da demanda global até 2035", afirmou Dutzik. "Se nos concentrássemos mais seriamente na reciclagem e em design mais inteligentes de produtos [...] poderíamos reduzir significativamente a necessidade de novas minas, seja em terra ou no mar."
A TMC não respondeu a um pedido de comentários adicionais sobre suas mudanças de narrativa no que diz respeito à importância da mineração em águas profundas.
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Divulgação
Segurança nacional ou manipulação política?
Alex Gilbert, analista de energia e recursos do Instituto Payne, afirma que "o verdadeiro elemento-chave é o processamento", acrescentando que é "onde a China está explicitamente exercendo controle neste momento". Como a maior parte do processamento é feita na China, ele afirma que o acesso à mineração por si só não afrouxaria o controle de Pequim.
Mesmo assim, Gilbert diz que, se nódulos em águas profundas forem "comprovadamente viáveis", eles podem ser "potencialmente uma parte da solução, mas não a solução". Dos cerca de 50 minerais que Washington considera críticos, os nódulos polimetálicos cobrem quatro. "Se a mineração em águas profundas puder ajudar com esses quatro, será um benefício real", disse ele, contanto que os Estados Unidos, ou aliados próximos, construam em terra as primeiras refinarias dedicadas aos nódulos.
Possíveis danos ao fundo dos oceanos?
A TMC insiste que seu impacto no fundo do mar será mínimo e que as operações de teste são promissoras para a recuperação do ecossistema ao longo do tempo. Mas biólogos de águas profundas, como Beth Orcutt, permanecem incrédulos.
Em locais onde testes de mineração em pequena escala foram realizados na década de 1980, a cientista sênior do Laboratório Bigelow de Ciências Oceânicas, no Maine, disse que décadas depois a vida microbiana ainda não havia se recuperado. "Estas não são zonas mortas. São sistemas vivos", explicou.
A pesquisa de Orcutt mostra que as comunidades microbianas sustentam funções essenciais do ecossistema, incluindo o ciclo do carbono, a retenção de nutrientes e, possivelmente, até a produção de oxigênio.
"Ainda não entendemos o que estamos destruindo", disse a pesquisadora. "Uma vez que isso desaparece, não podemos trazer de volta."
A produção desta investigação foi apoiada por uma subvenção do fundo Jornalismo Investigativo para a Europa (IJ4EU).
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